24 de Janeiro, 2025
Os insultos na Síndrome de Tourette: O que muitos pensam, mas não conseguem dizer?
Fabiano Abreu

A Síndrome de Tourette (ST) é um distúrbio neurológico caracterizado por tiques motores e vocais involuntários, que desafiam os limites do comportamento humano controlado. Entre as manifestações mais controversas está a coprolalia, um tique raro, mas impactante, que resulta na vocalização involuntária de palavras ofensivas ou socialmente inaceitáveis. Embora afete menos de 20% das pessoas com Tourette, a coprolalia carrega estigmas e desperta curiosidade: o que leva alguém a expressar o que é considerado inaceitável?

Segundo o neurocientista Dr. Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues, os insultos involuntários na Tourette podem ser entendidos como um reflexo neural de pensamentos ou impulsos que todos nós experimentamos, mas que, habitualmente, conseguimos reprimir. Contudo, nos pacientes com ST, essa capacidade de controlo é prejudicada, expondo a natureza crua da condição humana.

Um reflexo do que reprimimos A teoria do Dr. Fabiano de Abreu sugere que a coprolalia não é aleatória. Ela emerge de um cérebro onde os mecanismos de inibição estão comprometidos. “Todos nós, em algum momento, sentimos pensamentos de raiva ou frustração, muitas vezes acompanhados de palavras que nunca ousaríamos proferir em público. Na Síndrome de Tourette, essas palavras escapam porque o ‘travão’ cerebral, localizado no córtex pré-frontal, não funciona adequadamente”, explica o neurocientista.

Esta ideia é suportada por estudos que associam a coprolalia à desregulação do circuito córtico-estriato-talâmico-cortical, uma rede neural que controla os impulsos e regula o comportamento social. Alterações nos gânglios da base e no córtex orbitofrontal, regiões críticas para o controlo comportamental, estão igualmente relacionadas à condição.

O papel do cérebro e dos neurotransmissores Na ST, o desequilíbrio químico cerebral desempenha um papel central. A dopamina, um neurotransmissor responsável pela regulação dos movimentos e impulsos, apresenta hiperatividade nos pacientes com Tourette, facilitando a expressão dos tiques. Outros neurotransmissores, como o GABA, que inibe respostas neuronais, e a serotonina, que modula o humor, também sofrem alterações.

Adicionalmente, o córtex pré-frontal, dividido em sub-regiões como o córtex dorsolateral, ventromedial e orbitofrontal, é crucial para a filtragem de impulsos. Em pacientes com Tourette, esse filtro encontra-se enfraquecido, permitindo que os impulsos emergem à superfície.

O que isso revela sobre o comportamento humano? A teoria de que a coprolalia reflete o que reprimimos leva-nos a pensar sobre a natureza dos pensamentos humanos. Por que concebemos palavras ou ações hostis sem razões evidentes? Segundo o Dr. Fabiano de Abreu, esses impulsos são parte da dinâmica emocional humana, enraizados em áreas do cérebro como o sistema límbico, que processa emoções intensas como a raiva e a frustração.

“O que diferencia as pessoas com Tourette das demais não é a presença desses pensamentos, mas a incapacidade de os controlar. Todos temos impulsos, mas contamos com um sistema inibitório eficiente, liderado pelo córtex pré-frontal, que impede que tais pensamentos se traduzam em palavras ou ações. No caso da Tourette, o filtro falha, permitindo que os insultos escapem”, detalha o Dr. Fabiano.

Esta perspectiva não só desmistifica a coprolalia, como também a insere num contexto mais humano, evidenciando que a linha entre controlo e desinibição é, frequentemente, ténue.

A complexidade da coprolalia Embora amplamente associada à Tourette, a coprolalia é rara, com prevalência em menos de 20% dos casos. Estudos apontam que ocorre mais frequentemente em pacientes com sintomas graves e comorbilidades, como o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e o transtorno de défice de atenção e hiperatividade (TDAH). Geralmente manifesta-se na adolescência, uma fase em que os circuitos cerebrais de controlo ainda estão em maturação.

A coprolalia não se limita a palavras ofensivas; pode incluir frases ou sons repetitivos com elevada carga emocional, destacando o papel do sistema límbico e do córtex orbitofrontal na escolha dessas vocalizações.

A importância da conscientização Para o Dr. Fabiano de Abreu, compreender a coprolalia como um sintoma neurológico involuntário é essencial para combater o estigma e promover a inclusão de pessoas com Tourette. “Os insultos não refletem a personalidade ou os valores da pessoa, mas sim uma condição neurológica fora do seu controlo. O julgamento social agrava o sofrimento desses pacientes, que já enfrentam desafios significativos no dia a dia”, sublinha.

O tratamento da Síndrome de Tourette pode incluir abordagens farmacológicas, como medicamentos que regulam a dopamina, e terapias comportamentais que auxiliam os pacientes a gerir os tiques. Contudo, a conscientização e a empatia são igualmente fundamentais para criar um ambiente acolhedor.

Uma mensagem de empatia O olhar do Dr. Fabiano de Abreu desafia-nos a ver a coprolalia e outros sintomas da Síndrome de Tourette como janelas para o funcionamento da mente humana. Estes comportamentos recordam-nos que, por detrás do que consideramos “normal”, existe uma rede complexa de impulsos e filtros que moldam as nossas ações.

“O que a Tourette nos ensina é que todos somos impulsivos em algum grau. A diferença está no controlo. Enquanto a maioria consegue conter os seus impulsos, aqueles com Tourette são expostos a essa vulnerabilidade de forma visceral. Isto desafia-nos a olhar para eles com mais empatia e menos julgamento”, conclui o Dr. Fabiano.

Sobre o CPAH O Centro de Pesquisa e Análises Heráclito (CPAH) dedica-se à produção de conhecimento científico e ao avanço das ciências cognitivas e neurocientíficas. Sob a liderança do Dr. Fabiano de Abreu, o CPAH busca promover uma melhor compreensão do comportamento humano e oferecer soluções práticas para os desafios da sociedade contemporânea.

O CPAH é sediado no Brasil para atender a lusofonia e trabalha para transformar conhecimento em ação, contribuindo para uma sociedade mais inclusiva e informada.

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