As duas organizações de defesa dos profissionais de saúde alertam que não basta apenas construir mais unidades hospitalares. Defendem que haja um esforço no sentido de elevar a humanização nas prioridades da assistência médica. Já o Executivo aponta, para a além da construção, a aposta na formação de quadros como dos eixos prioritários no sector
O Sindicato dos Enfermeiros e a Ordem dos Médicos advogam a necessidade de a construção de novos hospitais, anunciada, recentemente, pelo Executivo, estar alinhada à humanização dos serviços de saúde, que é dos grandes desafios que o país enfrenta.
No início desta semana, em que se comemorou o Dia Mundial do Doente, a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, deu a “boa nova” ao país sobre a inauguração, em Maio próximo, dos Hospitais Gerais de Viana e do Sequele, este último no município de Cacuaco, o que, na sua visão, vai descongestionar a afluência de pacientes na rede terciária, como o Américo Boa Vida e o Josina Machel.
Quanto ao estado físico, as obras de construção do Hospital Geral do Sequele (HGS), no município de Cacuaco, encontram-se a 88,15% de execução física e financeira.
Iniciadas em Novembro de 2021 e com um prazo de 36 meses, as obras do HGS vão custar ao Estado 139 milhões e 216 mil euros.
Entretanto, as duas organizações de defesa dos profissionais de saúde, que lidam no dia-a-dia com doentes, alertam que não basta apenas construir mais unidades hospitalares.
É preciso, defendem, que haja um esforço do Executivo no sentido de elevar a humanização nas prioridades da assistência médica aos pacientes que acorrem aos hospitais públicos.
O secretário-geral do Sindicato dos Técnicos de Enfermagem de Luanda, Afonso Quileba, disse que o país já dispõe de número considerável de unidades hospitalares.
Contudo, frisou, o que está a faltar é a componente técnica, quer em termos de recursos humanos quer materiais, factores que, frisou, vêm anulando o passo para o efectivo processo de humanização.
Conforme referiu, a grande maioria dos hospitais públicos do país não dispõem de condições adequadas para tratamento completo dos pacientes que lá acorrem, o que compromete a uma assistência humanizada por parte dos técnicos em serviço que, muitas vezes, trabalham sem as ferramentas necessárias.
“A olhar por todo esse quadro, a construção de hospitais ainda não reflecte a humanização. O que reflecte a humanização são as condições que o Estado coloca à disposição das populações e dos profissionais para que estes estejam mais próximos aos utentes”, apontou.
Para Afonso Quileba, só se vai atingir os níveis de humanização quando a componente condições de trabalho, o respeito e formação dos profissionais estarem alinhados. “Esses elementos andam sempre juntos”, alertou.
O secretário-geral do Sindicato dos Enfermeiros entende ainda que, a melhoria da assistência sanitária às populações não passa pela construção de grandes hospitais.
Passa, frisou, fundamentalmente pela aposta séria na criação da rede primária, que é a base da assistência médica.
“Por isso é que nós chamamos a atenção de que, para que haja um melhor atendimento da população, não passa pela construção de grandes hospitais.
É a apostar na rede primária que deve ser o baluarte da assistência à população”, defendeu.
Aposta na prevenção para evitar fluxo
Outrossim, Afonso Quileba defendeu a necessidade de uma aposta séria nas questões preventivas para evitar o fluxo de população à porta dos hospitais, quer seja a nível da rede primária como da terciária.
Referiu que muitas das doenças que vão parar aos grandes hospitais derivam da falta de aposta na prevenção, o que leva ao seu agravamento, culminando assim com as grandes enchentes à porta das unidades hospitalares.
A título de exemplo, o sindicalista apontou as anemias, doenças diarreicas agudas, malária, tuberculose e outras patologias. “Se apostarmos na prevenção e combate à pobreza, vamos perceber que muitas patologias vão reduzir.
Porque a grande maioria das doenças que vão parar aos hospitais resultam da pobreza que as famílias vivem”, lamentou.
Formação contínua
Noutra abordagem, Afonso Quileba alertou para a necessidade de continuidade de formação dos quadros e profissionais de saúde para conseguirem dar respostas aos desafios postos à sua disposição.
Lamentou o facto de o Executivo, em muitos casos, constituir hospitais mas não formar adequadamente os técnicos para a gestão e manuseamento dos equipamentos postos nestas unidades.
“Como resultado, é que vemos, em muitos hospitais, máquinas a danificarem sem terem sido usadas por falta de profissionais especializados”, notou.
Por seu lado Nivaldo Manuel, representante regional da Ordem dos Médicos, entende que tanto a reabilitação como a construção de novos hospitais representam um ganho para as populações, o que vai acabar por diminuir as grandes enchentes.
Contudo, o médico converge na ideia de que este processo de reabilitação e construção deve estar alinhado às políticas públicas de humanização.
Conforme referiu, o surgimento destas unidades deve estar ajustado com as necessidades de darem respostas às preocupações de saúde, sobretudo com o tratamento das doenças mais resistentes.
Nivaldo Manuel disse haver um aumento da população em todo o território nacional, pelo que os serviços de saúde devem acompanhar essa dinâmica com a prestação de uma assistência humanizada. “A população está a crescer e as patologias também estão.
Há cada vez mais uma certa resistência das novas patologias. Então é fundamental que os hospitais estejam à altura de dar respostas”, apontou.
Resgatar a credibilidade
Nivaldo Manuel defendeu, por outro lado, que a construção dessas grandes unidades públicas hospitalares, ajuda no resgate da credibilidade da assistência médica no país que, durante anos, foi muito manchada devido à ausência de uma aposta séria no sector primário.
“Precisamos começar a primar pela assistência primária, que tem a ver com os postos e centros de saúde. Deve-se dar uma abertura maior para evitar essas confluências de pacientes a nível dos hospitais de grande referência”, apelou.
No seu entender, é preciso dar todo o apoio aos hospitais a nível das comunidades para que estes consigam dar respostas às necessidades e consequentemente diminuir as bichas nos hospitais maiores.
Executivo aposta na formação de 20 mil técnicos para reforçar humanização e assistência até 2027
Para além do quadro de reabilitação e construção de mais unidades, o Executivo pretende, igualmente, dar um salto qualitativo na componente formativa, o que, na visão da ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, vai reforçar a humanização.
Recentemente, a titular da pasta da Saúde anunciou que Angola pretende formar, até 2027, vinte mil profissionais de saúde, com destaque para três mil médicos especialistas e nove mil enfermeiros.
Do pessoal constam nove mil técnicos de diagnóstico e terapeutas, três mil técnicos de apoio hospitalar, além do pessoal do regime geral.
Segundo a governante, o programa faz parte do plano nacional de formação de especialistas do sector da saúde, que poderá contar com a cooperação do Brasil.
Sílvia Lutucuta deu ainda conta de que se continuará a trabalhar nos projectos de VIH/Sida, reforço da vigilância epidemiológica e laboratorial, apoio no combate às doenças negligenciadas e nos programas de assistência integrada nas doenças de infância, saúde comunitária, entre outras áreas da saúde.
Novos hospitais em quase todo o país
Recorde-se igualmente que o Presidente da República, João Lourenço, anunciou a construção de mais unidades sanitárias na província de Luanda e no país, nomeadamente os hospitais de Oftalmologia, no Kilamba, de Oncologia, nas imediações do Hospital Cardiopulmonar Cardeal Dom Alexandre do Nascimento, e de Traumatizados, novas infraestruturas de especialidade que vão garantir mais serviços e melhor atendimento às populações.
João Lourenço garantiu que as obras no sector da saúde vão continuar, e que o financiamento está acautelado, apesar da actual conjuntura financeira do país.
“Para a saúde, vai haver sempre dinheiro. Ainda temos muitas unidades por construir a nível do país. Vamos começar outros hospitais, o da Catumbela, Bailundo, Dundo, Malanje e muitas outras unidades que ainda estão por chegar.
Para estas unidades, fiquem descansados, haverá recursos”, garantiu. João Lourenço justifica a construção de um hospital de Traumatizados em função do número de acidentes rodoviários que têm provocado muitos traumas, principalmente no seio da camada juvenil.
Ainda no quadro do investimento que o Governo tem feito no sector da saúde, o Presidente João Lourenço adiantou a conclusão dos hospitais do Sumbe, na província do Cuanza-Sul, de Ndalatando, no Cuanza-Norte, de Mbanza Kongo, no Zaire, e em Ondjiva, no Cunene.
Fonte: Jornal o País