Apenas 3,5% têm uma dieta minimamente aceitável. Investigadores alertam para agravamento da insegurança alimentar e apelam a acções urgentes.
Quase metade das crianças com menos de cinco anos, nas províncias do sul do país, vive com desnutrição crônica, uma condição que compromete o crescimento, o desenvolvimento cognitivo e a sobrevivência infantil. Segundo um estudo publicado na Acta Portuguesa de Nutrição, 47,1% das crianças nesta faixa etária apresentam sinais de desnutrição crônica, sendo os casos mais críticos registrados nas províncias da Huíla e do Cunene.
O estudo é fruto da colaboração entre investigadores da Universidade do Porto (Portugal), o Ministério da Saúde de Angola e outras entidades parceiras. A análise baseou-se em dados recolhidos ao longo dos últimos 15 anos, abrangendo as províncias do Cunene, Huíla e Namibe, regiões particularmente afectadas pela seca prolongada e insegurança alimentar.
Situação nutricional em declínio
A pesquisa aponta para uma tendência regressiva nas condições nutricionais das crianças, alertando que apesar da existência de programas públicos e estratégias políticas, a situação continua a deteriorar-se.
“Nos últimos 15 anos, o estado nutricional e as práticas alimentares de crianças com menos de cinco anos aparentam ter piorado”, sublinham os autores.
Além da desnutrição crônica, o estudo também destaca a prevalência elevada de desnutrição aguda global. Em 2021, os dados revelam que a Huila registrava 19,3% de desnutrição aguda, enquanto o Cunene apresentava 12,4%, ambos acima dos limites estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A avaliação foi realizada com base em critérios combinados da Avaliação da Vulnerabilidade e Segurança Alimentar e Nutricional (AVSAN), conduzida em Angola no mesmo ano.
Apenas 3,5% das crianças têm dieta aceitável
Outro dado preocupante diz respeito à alimentação complementar das crianças entre os 6 e os 23 meses de idade. Apenas 3,5% dessas crianças têm acesso a uma dieta minimamente aceitável, segundo os critérios da OMS que avaliam a diversidade alimentar e a frequência das refeições.
O estudo destaca que a diversidade e frequência alimentar desta faixa etária tem vindo a decrescer, o que indica falhas no acesso e na qualidade dos alimentos oferecidos às crianças em fase crítica de crescimento.
Apenas 3,5% das crianças entre os 6 e 23 meses têm acesso a uma dieta diversificada e frequente, de acordo com a Dieta Mínima Aceitável, alertam os investigadores.
Aleitamento materno acima da média
Em contrapartida, o estudo identifica um dado positivo: o aleitamento materno exclusivo até aos seis meses de idade está acima da meta estabelecida pela OMS, que é de 50%. No Cunene, o índice atinge 73,1% e na Huíla, 63,2%.
Causas estruturais e desafios persistentes
O agravamento da situação nutricional infantil no sul de Angola está fortemente ligado a factores climáticos, económicos e estruturais. A seca prolongada, que tem afectado a produção agrícola, o acesso à água potável e à segurança alimentar, consta entre as principais causas da crise nutricional. A maioria das famílias vive da agricultura de subsistência e, com a perda das colheitas, a oferta alimentar torna-se extremamente limitada.
Esta investigação foi desenvolvida no âmbito do Programa de Fortalecimento da Resiliência e da Segurança Alimentar e Nutricional em Angola (FRESAN), financiado pela União Europeia, com um investimento de 65 milhões de euros.
Fonte: Girassol