Uma mulher de 19 anos (sem gestações prévias) apresentou-se ao serviço de emergência médica com dor abdominal severa que começou 9 horas antes. Ao exame físico, o abdômen estava macio e não distendido, sem sinais de defesa, mas a dor à palpação superficial estava presente nas regiões suprapúbica e fossa ilíaca esquerda. Um teste de urina para BCG, vulgo teste de gravidez, foi negativo. A tomografia computadorizada do abdômen e pelve mostrou uma estrutura hipodensa adjacente ao ovário esquerdo e uma pequena quantidade de fluido livre nos gutters paracólicos. O exame de ultrassonografia transvaginal revelou uma estrutura cística anexial adjacente ao ovário esquerdo. Como a torção anexial foi suspeitada, a laparoscopia diagnóstica foi realizada. Durante o procedimento, a tuba uterina esquerda foi estava dilatada, escurecida e contorcida três vezes. Ambos os ovários e a tuba uterina direita estavam normais. A destorção da tuba uterina esquerda foi realizada; no entanto, ainda parecia estar doente, e a salpingectomia esquerda foi efetivada. O exame histopatológico revelou hidrossalpinge sem evidência de câncer, granulomas ou endometriose. A paciente se recuperou sem complicações após a cirurgia.
A torção da tuba uterina, ou torção da trompa de falópio, é uma condição médica em que o tubo uterino se torce em torno de seu próprio eixo, que compromete a vascularização e a função deste órgão. O processo de desenvolvimento desta condição envolve a interrupção do fluxo sanguíneo, que resulta em isquemia e, potencialmente, necrose (morte) do órgão. A torção pode ocorrer devido a fatores genéticos, anomalias anatômicas, presença de cistos ovarianos ou gravidez ectópica, que levam ao surgimento e desenvolvimento de dor abdominal aguda e outras possíveis complicações.
Dentre os principais sintomas da torção da tuba uterina há dor abdominal intensa, frequentemente unilateral, que pode ser acompanhada de náuseas e vômitos. Em algumas pacientes, pode haver sinais de hemorragia interna, como dor pélvica e sangramento vaginal. Dentre as complicações constam infertilidade, infecções pélvicas e ruptura da tuba uterina. É uma condição que impacta significativamente a saúde reprodutiva da mulher.
Estima-se que ocorrem 2-3 casos positivos torção da tuba uterina em cada 1000 admissões ginecológicas e são mais comuns entre mulheres com idade compreendida entre 20 e 40 anos. Mas em África, incluindo Angola, esta taxa não é amplamente estudada, apesar da condição ser frequentemente reconhecida como uma emergência ginecológica. Fatores como acesso limitado a cuidados de saúde, práticas culturais e condições socioeconômicas precárias impactam na incidência e o diagnóstico precoce de torção da tuba uterina. Em regiões com menor acesso a serviços de saúde, casos podem ser mais frequentes e, geralmente, resultam em complicações severas ou perda de vida.
O diagnóstico da torção da tuba uterina é realizado através de exames clínicos, ultrassonografia transvaginal e, em casos duvidosos, laparoscopia (que é um procedimento cirúrgico). O tratamento não farmacológico geralmente envolve a descompressão cirúrgica (destorção) e, se necessário, a remoção da tuba uterina afetada (salpingectomia). O tratamento farmacológico geralmente inclui analgésicos para controle da dor e antibióticos em casos de infecção. O tratamento precoce é crucial para evitar complicações.
A prevenção da torção da tuba uterina não é bem definida, mas dentre as estratégias consta a inclusão da conscientização sobre fatores de risco e sintomas de alerta, como cistos ovarianos e anomalias anatômicas. O acompanhamento regular com profissionais de saúde competentes, especialmente em mulheres com histórico de problemas ginecológicos, pode ajudar na detecção precoce de condições que predisponham à torção.
O melhor método de cuidado, para todos nós e os que amamos, ainda é a prevenção.
Óscar Paulo JR, graduando de Medicina e monitor de Habilidades Clínicas na SLMANDIC – Faculdade São Leopoldo Mandic.
Presidente da Liga de Medicina Intensiva da SLM – Campinas (Dez. 2021 – Jan. 2023).
Tesoureiro da Liga de Cardiologia da SLM – Campinas (Jan 2021 – Jan 2023).
Voluntário e diretor do GEPE da Change 1’s Life AO (2020-2021).