Com inúmeros episódios de recaída causados por Acidente Vascular Cerebral (AVC), Maria dos Santos, 68 anos, continua a lutar, pela vida. O Jornal de Angola encontrou-a numa cama do Hospital Geral de Luanda, para onde foi parar devido ao mais recente caso.
Residente no bairro Dangereux, com a família, Maria dos Santos teve um AVC isquémico, uma patologia que ocorre quando há obstrução de uma artéria, impedindo a passagem de oxigénio para células cerebrais, e quase morreu, devido ao incumprimento da medicação que, de acordo com os familiares, está um pouco mais cara.
O médico Adriano Jorge, especialista em Medicina Interna do Hospital Geral de Luanda, aonde Maria dos Santos foi levada, disse que a paciente apresenta sequelas neurológicas permanentes, em consequência dos múltiplos AVC. “Ela é hipertensa e já teve AVC em muitas ocasiões”, realçou, acrescentando que a idade é um dos principais fatores de risco.
“A paciente não tem dado seguimento regular da hipertensão em casa, nem tão pouco fez, depois do primeiro episódio de AVC, fisioterapia para a reabilitação. Por isso tem constantes episódios da doença”, sublinhou.
Para o médico, no momento, a paciente está em tratamento hospitalar, mas depois vai ter de ser reintegrada no meio familiar e na sociedade. “Ela precisa fazer regularmente a medicação, caso contrário, pode voltar a sofrer um AVC e desta vez pode ser fatal devido aos fatores de riscos permanentes”.
A família de Maria dos Santos contou que tem sérias dificuldades em adquirir os medicamentos para a anciã e lhe dar uma alimentação adequada.
A aflição de uma mãe
Outro caso similar é o do filho de Julieta Sabalo, internado no Hospital Josina Machel. Como mãe, está aflita com a situação do filho, de 38 anos, que, há dias, teve um AVC isquémico. Os problemas, lembrou, começaram em Novembro do ano passado, quando o filho, Domingos Baptista, começou a sentir constantes dores de cabeça e teve de abandonar o serviço e ser hospitalizado. “Ele é quem cuida da família, mas há quase dois meses que parou de trabalhar por causa da doença”, disse, acrescentando que desde aquela data, a vida de todos os membros da família não é a mesma.
“Eu não sei como lidar com isso. É uma doença muita debilitadora, por isso teve que ser afastado do serviço”, lamentou.
Julieta Sabalo acrescentou que o filho é o primogénito e responsável pela família. “Estamos a lutar para ver se conseguimos controlar a doença, através de medicamentos, embora seja muito difícil, porque ele era o único que trabalhava e cuidava da mulher, filhos, irmãos e de mim”, revelou.
Apesar de já estar a se recuperar, as sequelas da doença ainda são visíveis. A mãe, que tem estado a acompanhá-lo, recorda das constantes queixas, antes do AVC, assim como das fortes e constantes dores de cabeça. “Inicialmente, tivemos de interná-lo numa clínica, no Morro Bento. Depois de duas semanas de tratamento, as dores não passaram”, conta.
Julieta Sabalo explicou que foram orientados a fazer um exame de Tomografia Computadorizada (TAC). Mas o exame, adiantou, deu negativo. “Depois de outros exames foi descoberto que ele era hipertenso e foi orientado a seguir uma medicação”, observou.
Como as dores não passavam, lembra, decidiram procurar por um tratamento tradicional, onde foi diagnosticado com “cabeça aberta”. Tão logo iniciaram o tratamento deste mal, disse, os membros começaram a perder a força e a boca ficou torta. “Tivemos de o internar imediatamente”, recordou.
Principal causa
De acordo com o diretor do Serviço de Neurologia do Hospital Josina Machel, Guilherme Miguel, o paciente teve uma diminuição da força do lado direito e desvio da boca para o lado esquerdo. “Depois de observado no Banco de Urgência e uma tomografia da cabeça, diagnosticamos um AVC isquémico”.
O médico disse que a principal causa foi a hipertensão. “Muitos pacientes não sabem que são hipertensos e correm o risco de passar por situações semelhantes, que podem ser fatais, em alguns casos, se não forem socorridos a tempo”, disse.
A queda de um atleta
Gomes Chiema, de 48 anos, é outra vítima da doença. Praticante assíduo de futebol, foi surpreendido no dia 11 do mês passado, ao ter uma queda súbita e ser transferido para o Hospital Geral de Luanda, onde se encontrava internado na altura em que o Jornal de Angola efetuou a reportagem. De acordo com a equipa médica da unidade hospitalar, o paciente recuperava satisfatoriamente, apesar de apresentar sequelas como pouca força nos membros e o “comum” desvio da boca.
Primeira causa de invalidez
De acordo com o diretor do Serviço de Neurologia do Hospital Josina Machel, Guilherme Miguel, o hospital recebe muitos pacientes vítimas de AVC. “A cada dia, o número tende a aumentar e temos, igualmente, o registo considerável de jovens com a patologia”, avançou.
Ao falar sobre as consequências da doença, o especialista afirmou que depois de um AVC, 70 por cento das pessoas já não voltam a trabalhar. O AVC, referiu, é a primeira causa de invalidez no mundo. “Ao contrário do que muitos acham sobre o trauma ser a principal causa de invalidez, acredito que os dados estejam errados, pois o AVC é um perigo e tende a deixar sequelas para toda a vida”, alertou.
Fatores de risco
O médico Guilherme Miguel explicou que existem os fatores de risco não modificáveis, ou seja, aqueles sobre os quais não é possível intervir, como a idade, o sexo e a raça. Mas, realçou, há também, por outro lado, os modificadores, nos quais se pode intervir, como a hipertensão arterial, a diabetes e outras doenças hematológicas.
O especialista em Neurologia disse que o principal problema da população de risco tem sido o tratamento preventivo. “Infelizmente a prevenção é quase inexistente, porque todos os dias aparecem doentes a dizer que não tomam a medicação há um mês ou mais, por falta de dinheiro para comprar os remédios”, lamentou.
O Governo anunciou, no mês passado, que está a elaborar um estudo para a subvenção dos medicamentos para tratamento das doenças crónicas não transmissíveis como a hipertensão arterial, anemia falciforme, doenças cardiovasculares, diabetes e outras.
O anúncio foi feito pelo secretário de Estado para a Saúde Pública, Carlos Alberto de Sousa, no final da 5ª reunião ordinária da Comissão para a Política Social do Conselho de Ministros.
O estudo decorre há vários meses e incide sobre a quantificação das doenças e dos encargos financeiros para os utentes, a definição do sistema de preços, assim como de um modelo financeiro que seja sustentável e beneficie, sobretudo, as famílias mais carenciadas.
O secretário de Estado para a Saúde Pública falou, também, sobre as doenças ligadas à alimentação, ao consumo de álcool e tabaco, que são fatores de risco para o surgimento de muitas das enfermidades crónicas.
O governante sublinhou que a subvenção será apenas para doenças crónicas não transmissíveis, por serem longas, de tratamento contínuo ou permanente, e porque os dados estatísticos apontam que se está numa fase de transição epidemiológica, em que as doenças crónicas são as globais, que vão continuar a aparecer. Por isso, o país deve estar preparado para estes desafios.
“Estamos à procura de dados, evidências científicas e a fazer estudo comparado com outras realidades que já têm implementado essa subvenção. Vamos ouvir a Academia e todas as áreas envolvidas para, no final, identificarmos as patologias, nomeadamente, as doenças crónicas não transmissíveis, como a diabetes, as cardiovasculares, mentais e outras”, apontou, dando nota sobre a necessidade de verificar os remédios na Lista Nacional de Medicamentos, definidos pela Agência Reguladora de Medicamentos e Tecnologias de Saúde (ARMED), que vão ser subvencionados.
Fonte: Jornal o País